Carta ao João Pestana

"Caro João Pestana, é na qualidade de vítima da insónia que a ti me dirijo com todo o respeito e admiração.
Não tendo a minha carta um motivo claro e importante, digno da legitimidade da tua leitura, é com a mínima mas capaz esperança de que alguém com pouco para fazer considere estas palavras que passo a escrever.
É nestas noites em que o sono tende a medir forças com a minha teimosia que penso no mais absurdo da minha existência e de tudo o que a rodeia.
Como sabes, João, desde que desisiti de um curso ao qual chamaram "Geografia, área de Ordenamento do Território e Desenvolvimento" em vantagem de um outro de nome "Jornalismo e Ciências da Comunicação", vi-me na obrigação de alargar as minhas férias para mais do que o previsto e desejado. Desde então, e durante todo este tempo, tenho aproveitado para mergulhar sem receios na mediocridade do dolce fare niente, que é como quem diz, pastar a vaca, olhar pó tecto, esperar pela morte da bezerra, coçar os tomates (ok, chega!). Todo este ócio está subjugado a um sem fim de vícios que nem eu sabia existirem mas que de repente já fazem parte da minha vida.
Além deste próprio repouso ser já de si um vício, apercebi-me que a rotina que me impingiram é propícia ao suscitar de uma série de inquietações. É como que quem está do lado de fora do mundo se apercebesse mais facilmente dos seus defeitos.
Talvez esse seja mesmo o único aspecto positivo a retirar de tanta folga, a liberdade para olhar, fixar e apontar os podres do que teimosamente nos rodeia.
Para colorir um pouco mais a intenção desta carta a ti dirigida, aproveito para te enumerar tudo o que aprendi nestas minhas férias prolongadas.. Aprendi que Coímbra é uma tentação, aprendi que nem só Coímbra é uma tentação, aprendi que se pode dormir até ao meio-dia durante a semana e aprendi que se eu não quiser o mundo lá fora só acorda mesmo ao meio-dia, aprendi que beber muito café faz mal, aprendi que fumar 1 Ventil demora menos tempo do que 1 Camel, aprendi que não devo tomar decisões precipitadas nomeadamente quando se trata de definir o meu futuro escolhendo um curso, aprendi que se deve seguir sempre os sonhos mais antigos por mais estranhos e infantis que nos pareçam, aprendi que brincar com os sentimentos das meninas é feio e parece mal, aprendi que o estado da televisão portuguesa está uma merda, aprendi que não vale a pena ir votar porque com o azar que tenho ao jogo qualquer coisa onde desenhasse uma cruz era coisa para perder, aprendi que a política não existe, aprendi o que era um aborto (na perspecitva dos portugueses e na perspectiva do resto do mundo) e mais recentemente aprendi três palavrinhas novas em inglês "WOMEN ON WAVES" que traduzindo significa "BARCO DO ABORTO".
Ai João, João.. Afinal foi tão bom não fazer nada todo este tempo.
Não tenho muito jeito para despedidas por isso vou como que saltar essa etapa e passo directamente para a fase dos P.S.'s.

P.S. - Já mandavas vir uma dose de sono para a minha mesa oh João..

P.S.2 - O meu nome é Ricardo e sim, sou uma pessoa aparentemente normal.

Cumprimentos, Ricardo Mi"